
“Fixos, Fluxos e Orikis”
RONEY GEORGE
Exposição individual
Curadoria: Danillo Barata
“Fixos, Fluxos e Orikis”
Danillo Barata
A poética de Roney George emerge como um campo de atravessamentos, onde corpo, espaço e memória se articulam em uma partilha do sensível. A exposição propõe uma reflexão sobre a transformação contínua das tradições e identidades afro-brasileiras, explorando as permanências simbólicas e as dinâmicas dos deslocamentos culturais. Aqui, a arte não se restringe à materialidade dos objetos, mas se expande como território vivo, onde tradição e contemporaneidade se entrelaçam, em um gesto que reafirma a potência criadora dos fluxos da ancestralidade.
A exposição dialoga diretamente com o pensamento de Abdias do Nascimento, que em Axés do Sangue e da Esperança (Orikis) celebra a força ancestral ao afirmar: “Somos a semente noturna do ritmo / a consciência amarga da dor / florescida nos toques anunciadores da perenidade das coisas vivas”. Ao longo de sua trajetória de 40 anos, Roney George incorpora essa essência ao reafirmar a potência estética e política de suas referências, enquanto explora novas gramáticas visuais que transformam a arte em um campo de resistência e autoexpressão.
Sua obra se insere em um território dinâmico, onde a interação entre fixos — as permanências simbólicas da tradição afro-indígena e sertaneja — e fluxos — as trocas culturais, deslocamentos e reinterpretações contemporâneas — conforma um campo de ressignificação contínua. Em diálogo com o pensamento de Milton Santos, a geografia da sua arte não se limita à paisagem física, mas manifesta-se nos modos de existência e resistência cultural que atravessam o espaço, reafirmando a arte como instrumento de mediação entre diferentes tempos e territórios.
Em suas pinturas, os signos do sertão — o couro, a terra, as texturas ásperas e os tons quentes — dialogam com elementos da diáspora africana, estabelecendo nexos entre os caminhos da migração, os espaços urbanos e as permanências culturais. Assim, sua trajetória se insere em um circuito de deslocamentos e reconfigurações, onde o sertão e a cidade, o passado e o presente, a tradição e a contemporaneidade se encontram em um permanente processo de transformação, reafirmando a arte como um campo de mediação entre territórios e temporalidades.
Natural de Itapetinga, no sudoeste da Bahia, Roney George carrega em sua poética artística as marcas do sertão, incorporando em suas obras a simbologia dos caboclos de couro, figuras emblemáticas da cultura sertaneja e afro-indígena. Ao se deslocar para Salvador, o artista amplia seu repertório visual e conceitual, vivenciando a complexidade das interações entre sertão e cidade, articuladas por processos históricos que moldam o Recôncavo baiano e suas extensões culturais.
Suas obras se desdobram como processos contínuos, nos quais a dimensão ambiental, a participação do público e a história afro-atlântica se tornam partes intrínsecas de sua construção. Inspirado por paradigmas que valorizam o fazer artístico como experiência total, o artista traduz em suas pinturas uma complexa trama de resistência, memória e ancestralidade que conforma a diáspora africana, conectando o passado às urgências do presente.
As obras, ao mesmo tempo em que trazem beleza e complexidade, convidam à reflexão como um oriki visual. Nele, a poética de Roney George reverbera as energias de Oxóssi e Obaluaiê, orixás que simbolizam a sabedoria, a cura e a resiliência. Assim como Oxóssi, o caçador dos caminhos e das florestas, Roney explora as trilhas da ancestralidade afro-brasileira e utiliza elementos simbólicos e geométricos para capturar e preservar memórias culturais. A presença de Obaluaiê se manifesta nas camadas profundas de suas pinturas, evocando processos de cura e transformação. Cada obra se configura como um território sagrado, um assentamento espiritual e estético.
Em “Fixos, Fluxos e Orikis”, propomos um evento vivo, onde tradição e contemporaneidade dialogam continuamente, promovendo reflexões sobre pertencimento, memória e a continuidade dos saberes afro-diaspóricos.


























